8 de março de 2018
No dia internacional da mulher, a coordenadora do Master Profissional em Design de Espaços Ayara Mendo fala sobre o legado de Lina Bo Bardi, arquiteta ítalo-brasileira à frente de seu tempo – e também do nosso.
Perguntada pela Revista IED sobre a mulher que lhe inspira, a coordenadora do Master Profissional em Design de Espaços Ayara Mendo nos deu uma aula sobre a obra de Lina Bo Bardi. Encantados, decidimos juntar o depoimento dela com alguns dados da biografia da arquiteta. Mergulhe 😉
“Hoje, temos muitas pessoas envolvidas na luta de gênero, e não apenas mulheres. Mas do ponto de vista da inclusão da mulher na arquitetura, eu acho que a grande figura que me inspirou foi a Lina Bo Bardi. Eu conheci a obra dela já na faculdade de arquitetura da Universidade de Alicante (Espanha), e desde então a tenho como uma referência. Acho inclusive que foi o impacto dela na minha vida que me fez vir morar no Brasil”.
Arquiteta, designer, cenógrafa, editora e ilustradora, Lina Bo Bardi nasceu no dia 05 de dezembro de 1914, em Roma. Já na juventude se destacaria por sua atuação política e profissional, campos que para ela estavam sempre interligados. Após concluir a graduação, mudou-se para Milão, fugindo da tendência clássica e historicista que orientava a faculdade de arquitetura da capital italiana, orientação valorizada pelo fascismo.
Em Milão, ao lado de Gio Ponti, liderou o movimento pela valorização do artesanato italiano, e chegou a ser editora da revista Domus. Militante ativa do Partido Comunista Italiano, em seus quadros conheceria o crítico e historiador de arte Pietro Maria Bardi, com quem se mudaria definitivamente para o Brasil em 1946 – nas palavras dela, seu país de escolha.
“Quando a gente nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi esse lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha ‘Pátria de Escolha’, e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri, ao Triângulo Mineiro, às cidades do Interior e as da Fronteira.” (BARDI, Lina Bo. Curriculum literário. In: ______. Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. p. 12.)
“A obra de Lina me atravessa em muitos campos. Por um lado tem uma questão muito profissional, dela ser uma mulher que nos anos 70 se coloca como uma arquiteta que trabalha na prática, participando de decisões no canteiro de obras, lugar que até hoje é muito agressivo para as mulheres”.
“Ainda hoje, nós arquitetas tendemos a ficar muito dentro dos escritórios. É difícil para uma arquiteta estar na obra, porque quando a discussão é técnica, a voz da mulher ainda é menos valorizada e respeitada”.
Já nos seus primeiros anos no Brasil, Lina se envolve em projetos de edifícios públicos e residenciais, criando também a revista Habitat. Em 1948, funda o Studio d’Arte Palma, voltado à produção manufatureira de móveis de madeira compensada e materiais populares do país, como a chita e o couro. A utilização de materiais nativos e a valorização do artesanato nacional marcaria toda a sua trajetória.
“A Lina é altamente radical nas suas propostas, ela traz toda a sua luta política e a sua cultura européia para dentro de um contexto brasileiro. Ela conhece muito o Brasil, e num momento em que não se era permitido falar de arte popular brasileira, ela vai tensionar essas questões, por exemplo, trazendo artesãos para dentro do Museu de Arte Moderna da Bahia”.
“Tem questões que ainda estamos tentando desmistificar no Brasil, como a ideia de que o trabalho de um artesão não é comparável a uma obra de arte, não pode estar no Museu. Quando a Lina coloca a produção de populações tradicionais dentro do Solar do Unhão, ela está trazendo questões políticas e sociais para dentro da arquitetura. Hoje, eu penso que o CRAB é um espaço que atualiza muito dessa discussão que a Lina já colocou lá atrás”.
Em 1957, Lina consolida sua posição de destaque na arquitetura brasileira, inaugurando um novo paradigma construtivo com o projeto do MASP. Em uma avenida que carecia de espaços públicos, o edifício suspenso em um vão de 70 metros preserva uma praça no piso térreo. Ao invés de ocupar o espaço, ele doa terreno para a cidade.
Ainda hoje, o vão do MASP é lugar de encontros na capital paulista, epicentro de manifestações culturais e políticas. Apesar de já conhecer a obra de Lina desde a faculdade, foi no Brasil que Ayara pode experimentar os espaços desenhados pela arquiteta.
“Se em algum momento duvidei do poder da arquitetura de conseguir transformar a sociedade, quando estive no SESC Pompéia e pude vivenciar aquele espaço, tive a certeza que a arquitetura pode ser um catalisador de relações humanas. Transformado em lugar de lazer, apropriação, ocupação, de mistura de usos e oferta cultural, o espaço do SESC Pompéia é uma síntese da sociedade democrática com a qual a Lina sonhava”.
Para Lina, a arquitetura não se resumia à prática construtiva. Multiescalar por natureza, ela trabalhou ao longo de sua vida em projetos de mobiliário, cenografia, espaços efêmeros, design de roupas e figurinos.
“A multiescalaridade da Lina dialoga muito com a metodologia MA.DE.IN. Ela não precisa esgotar uma escala arquitetônica, porque para ela o que define a arquitetura é o processo criativo. Isso também foi uma influência fortíssima para a minha trajetória, entender que se você luta por uma causa política, isso é arquitetura, se você faz um vestido ou um móvel, isso também é arquitetura. Da mesma forma como projeta uma escada, ela vai encarar uma proposta de gestão de recursos humanos”.
Embora tenha marcado uma geração de mulheres arquitetas, Lina jamais se considerou feminista, e sempre se colocou em seu discurso como um arquiteto. Ayara defende que apesar de suas contradições, ela foi pioneira por ter sido protagonista de sua própria trajetória profissional.
“Na história da arquitetura, a gente sempre teve mulheres arquitetas com muita fama, que também tiveram um percurso importante e coerente, mas que foram sempre ‘mulheres’, ‘sócias’ de uma figura masculina. O que muda no caso da Lina é que ela não tem um marido arquiteto, ela não tem a figura de um homem que rouba a cena, e por isso ela vai ser muito importante para uma geração de arquitetas que não quer ter um sócio ou marido interferindo no seu trabalho”.
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