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Uma supersérie a caçar

20 de abril de 2018

 

Assessor de conteúdo do Master Profissional em Design do Entretenimento, Bruno Dieguez comenta a mais nova série da Rede Globo, ‘Onde Nascem Os Fortes’. 

“Todos os dias são do caçador.” Eis as únicas palavras que saem da boca do doutor Ramiro Curió, personagem do ator Fábio Assunção em Onde Nascem Os Fortes, nova supersérie das 23h que estreia na grade da Rede Globo na segunda-feira 23 de abril e cujo primeiro capítulo está disponível para assinantes Globo Play desde o dia 16. Homem da lei, ele entra em quadro na última cena, na iminência de um tiro que dispara o crime que fomenta a narrativa. Ele é “mais ligeiro na mira do que dando uma sentença”, antecipa-se o assistente que o acompanha na caçada em pleno Sertão nordestino. Veste branco, dos pés à cabeça: terno de linho, um colete que quase ofusca de tão aprumado, fios de cabelo e barba vistosos. Justiça, paz, serenidade? Ainda não se sabe, mas entre as três vezes que aperta o gatilho, dá curtos passos e quase olha para a câmera. Como que a nos convidar ao que vem a seguir. Irrecusável ceder a este gancho.

No outro extremo do episódio, o seu início, Maria, a protagonista vivida pela atriz Alice Wegmann, também pouco fala. Para ser preciso, só após 5 minutos e 27 segundos decorridos. “É o quê aí, rapaz?”, “Tá chegando perto por quê?”, “Fique longe de mim.” Com sotaque convincente, apenas reage, firme, à ameaça de dois motoqueiros mal encarados que param ao vê-la sozinha carregando uma bicicleta de pneu furado por um estrada de terra que lembra a aridez ora violenta ora idílica de Breaking Bad. Os muitos frames anteriores abriram a história com uma câmera subjetiva e ofegante que parte do cenário natural e trilha por quase um minuto em descida tortuosa até a queda de Maria. Já estamos em 2 minutos e 27 segundos quando vemos pela primeira vez seu rosto limpo, sem capacete e os óculos escuros próprios do esporte. É inquieta a moça dos cabelos curtos desfiados e empoeirados. Alice – entregue ao texto verbal e não verbal de George Moura e Sérgio Goldenberg e à direção artística de José Luiz Villamarim – diz com o corpo.


Entre o primeiro e o último segundos há pouco e muito texto. Escasso no sentido de que não dito a esmo com medo do silêncio, transbordando enquanto profundidade de criação. A graça dos melhores roteiros de narrativas audiovisuais é justamente essa alquimia sobre o que, quando e como dizer. As histórias que escutamos e vemos vão muito além de palavras encadeadas. A intenção, o tom, o que se quer fazer perceber tem camadas de construção transdisciplinar. O enquadramento – estático e em movimento – permeia tudo e conduz a nossa atenção. Mas não sozinho. Nos 49 minutos e 42 segundos dessa estreia, além de escalações e atuações cirúrgicas, sobressaem detalhes que circundam o mundo do design. É a direção de arte e o desenho de fotografia e luz que não ficam em um tom único estereotipado e abusam da contemporaneidade. É também o figurino que soma informação e revela cada perfil de personagem.

E ainda, com função essencial, a trilha sonora e o desenho de som, que ampliam nosso alcance ao universo exposto. Destoam a sofisticada sonorização exclusiva composta em cima da montagem pelo maestro Eduardo Queiroz e os novos hits, clássicos e releituras que vestem a trama como uma luva. Para ficar em apenas alguns, ouvimos ecos de Terra Estrangeira com Gal Costa cantando Vapor Barato, Fagner, Elba e Zé Ramalho, Elton John, Paolo Nutini e Velvet Underground. Como uma deusa, Jesuíta Barbosa encarna a instigante Shakira do Nordeste e mostra o que é O Amor e o Poder. Quase encerrando este texto e abrindo muitas e muitas noites por vir, temos a poesia de Zeca Veloso cantada em família em Todo Homem: “O sol, manhã de flor e sal / E areia no batom / E o sol queimando o meu jornal / Minha voz, minha luz, meu som / Todo homem precisa de uma mãe”. É de tirar o fôlego absorver e processar tudo isso.


Capítulos ou episódios? Seja qual for sua nomenclatura preferida – se a habitual das novelas e minisséries da TV aberta ou a bola da vez das séries americanas que conquistaram o comportamento contemporâneo – não perca as próximas unidades desta nova narrativa que entra no ar neste mês de abril. Pelo menos eu, até 16 de julho tenho um novo vício a viver.

Bruno Dieguez é graduado em Jornalismo, com MBA em Marketing pela PUC-Rio. É professor de TV na instituição, contando com 15 anos de experiência no mercado como produtor, roteirista e diretor. Trabalhou 8 anos na KN Vídeo e desde 2011 é sócio da Orgânica Produções, consultora butique em soluções audiovisuais. Entre os principais projetos estão os programas Oi Mundo Afora, Vai pra Onde? e MIT TV, coberturas do Fashion Rio e São Paulo Fashion Week e o treinamento dos participantes dos Jogos Rio 2016.

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